segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Apesar de salários mais baixos, empresas têm pouco interesse em ex-detentos.

Thais é gerente de um quiosque que vende artigos reciclados no pátio do shopping carioca Via Parque. Seu colega Raul é vendedor. Condenados pela Justiça, os dois saíram da prisão para cumprir pena em liberdade condicional. Eles e outros 5.223 presidiários e ex-detentos brasileiros já conseguiram ingressar no mercado de trabalho, por meio de parcerias do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) com empresas e órgãos públicos.

No Rio de Janeiro, a ONG Tem Quem Queira emprega 40 funcionários que cumprem pena nos regimes fechado, semiaberto e aberto. A ideia nasceu em setembro de 2008, quando a executiva Adriana Gryner, que trabalhava em uma agência de eventos corporativos, percebeu que poderia gerar renda com o reaproveitamento de banners na confecção de bolsas e artigos personalizados.

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Oficinas de costura do Tem Quem Queira empregam 40 presidiários nos regimes fechado, semiaberto e aberto
Abriu a primeira oficina dentro da penitenciária Vieira Ferreira Neto, em Niterói, e a segunda em uma rua próxima. Por uma parceria com a Fundação Santa Cabrini, do governo do Rio de Janeiro – que cuida da seleção e pagamento dos empregados –, Adriana treinou e contratou costureiros, cortadores e auxiliares de serviços gerais.
“Nunca soubemos de alguém que tenha voltado para o crime depois de passar pelas oficinas”, conta Gabriela Guedes, gerente geral do projeto. A “empresa social” – como Gabriela prefere chamar a ONG – já ajudou funcionários a financiar suas próprias máquinas de costura e, assim, começar a trabalhar por conta própria.

Luís, um dos funcionários da oficina, foi contratado em janeiro deste ano com carteira assinada, após ter cumprido sua pena. A cada três dias trabalhados, ele abateu um dia de condenação.
As empresas que fazem parcerias com órgãos públicos e entidades para contratar presidiários não precisam estabelecer vínculo empregatício, nem pagar encargos trabalhistas como FGTS, férias e 13º salário, já que o contrato de trabalho é regido pela Lei de Execuções Penais, e não pela CLT (Consolidação das Leis de Trabalho).

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que coordena o programa “Começar de Novo”, há hoje 3.512 vagas abertas em empresas de todo o Brasil para detentos e pessoas que já cumpriram pena. “A maioria só contrata ex-presidiários se houver algum incentivo financeiro”, analisa José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Trabalho para Ex-infratores” (Ed. Saraiva).
De acordo com o estudioso, o incentivo que o Estado de Minas Gerais passou a dar às empresas que contratam ex-detentos aumentou a adesão ao programa. Em São Paulo, Pastore conta que as companhias só contratam ex-presidiários ao descobrirem que é pré-requisito para vencer licitações com órgãos públicos.

Karlo Dias
Odebrecht e grupo OAS contrataram 30 presos e ex-detentos para as obras do Arena Fonte Nova, na Bahia
Mão de obra para os grandes 
Empresas conhecidas e de grande porte também aderiram ao programa do CNJ. Em 2010, a grife de roupas Hering contratou centenas de presos e ex-detentos para trabalhar em um galpão na cidade de Aparecida de Goiânia, em Goiás. Procurada pelo iG, a companhia alegou estar impedida de dar detalhes sobre o projeto, por estar em período de silêncio, que antecede a divulgação de balanços internos.

A Odebrecht e o grupo OAS contrataram 30 detentos para trabalhar no canteiro de obras do arena Fonte Nova, na Bahia, que ficou pronto na última sexta-feira (5), para sediar os jogos da Copa do Mundo de 2014. Segundo o CNJ, as obras do torneio mundial já empregaram ao menos 10 detentos no Distrito Federal, oito em Mato Grosso e 28 em Minas Gerais.

EVASÃO
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A cada três dias trabalhados, presidiário pode abater um dia de pena
Nem todas as empresas tiveram sorte ao tentar reinserir ex-detentos no mercado. Em junho de 2011, a construtora Piacentini contratou um ex-presidiário para trabalhar como servente em uma de suas obras em Campo Mourão, no interior do Paraná. Apesar do bom desempenho do funcionário, registrado no regime CLT, ele pediu demissão após oito meses.

Desapareceu sem deixar notícias. “Mais tarde, descobrimos que ele havia feito um furto na empresa em 2012 e acabou voltando para a prisão”, conta Paulo Maiolo, responsável pelo RH da construtora.
Apesar da má experiência, a empresa quer contratar mais ex-presidiários até junho deste ano, para uma obra de moradias populares do programa Minha Casa, Minha Vida. “Desta vez, queremos preencher 5% do nosso quadro com ex-detentas para o cargo de auxiliar de serviços”, afirma Maiolo, que assegura não haver benefício financeiro com as contratações. “É um trabalho de responsabilidade social”, diz.
Em fevereiro de 2012, o Senac do Espírito Santo passou a contratar detentos em regime semiaberto. Dos 12 funcionários que já passaram pela empresa – parceira da secretaria de justiça capixaba –, quatro fugiram do presídio durante a saída temporária, permitidas nos feriados, e não voltaram ao trabalho. Outros cinco receberam alvará de soltura e deixaram a empresa.
Somente um deles permanece no programa desde sua criação, segundo a gerente de RH do Senac, Jovaneide Sales Polon. “Ele pediu uma bolsa de estudos aqui, e passou a trabalhar de dia e estudar à noite”, conta.

O presidiário não pode sair da empresa durante o expediente e é proibido de usar aparelhos celulares. Parte do salário mínimo que recebe do governo – o Senac repassa o dinheiro à secretaria – é enviada para sua família. Apesar da evasão de quatro contratados, a empresa abriu mais sete vagas para três de suas unidades este mês.
Esta é a segunda de três reportagens sobre o mercado de trabalho para detentos e egressos. Nesta terça-feira (9), o iG mostrará como esses profissionais trilham o rumo do empreendedorismo.

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